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Estudo não põe fim ao uso da colonoscopia como forma de prevenir o câncer de cólon

Recentemente, pesquisa fez barulho ao tratar da validade do exame no rastreamento desse tipo de tumor. Médicos explicam a polêmica

A ciência não aceita dogmas. Não há condutas na medicina que não possam ser revistas à luz de novas evidências. No entanto, é necessário ter cautela ao examinar dados que propõem mudar uma conduta, especialmente quando essa está bem consolidada e embasada em estudos pregressos. Em 9 de outubro, foram publicados os resultados de 10 anos de seguimento do estudo NordICC, em uma das maiores revistas médicas da atualidade. O artigo (1) em questão levanta dúvidas quanto aos benefícios da colonoscopia no rastreamento do câncer de cólon. É importante salientar que ele é o segundo que mais causa mortes no planeta e o terceiro mais comum dentre todos os tumores.

Em suma, trata-se de um estudo realizado em três países (Polônia, Suécia e Noruega) com mais de 84 mil indivíduos entre 55 e 65 anos. Essas pessoas foram selecionadas aleatoriamente (randomizadas), sendo que uma parte recebeu a orientação de fazer a colonoscopia (28 220 indivíduos) enquanto a outra não recebeu nenhuma forma de prevenção do câncer colorretal (56 365 participantes).

Em 10 anos, os resultados mostraram um risco de câncer colorretal de 0,98% naqueles que estavam no primeiro grupo, frente a 1,20% no segundo. Não houve diferença estatisticamente significante quanto ao risco de morte devido à doença (0,28% contra 0,31%).

Análise exige atenção

À primeira vista esses números indicariam que a colonoscopia tem um papel limitado na prevenção do aparecimento e da morte por câncer colorretal, certo? Mas uma análise crítica do estudo aponta em outro sentido.

Primeiramente, inúmeros estudos anteriores apontam para os benefícios da colonoscopia em reduzir a incidência e as mortes do câncer do intestino grosso e reto. A possibilidade de retirar lesões pré-malignas por meio do exame de colonoscopia mostrou reduzir de 62% a 88% a ocorrência do câncer (Knudsen et al., 2016) (Winauer et al, 1993) em até 50% o risco de morte por esta causa (Zauber et al., 2012).

Em segundo lugar, trata-se de um estudo que compara a intenção de rastreamento com colonoscopia e não o exame em si. Ou seja, os 28 220 participantes que foram alocados para o grupo do rastreamento foram apenas orientados a realizar a colonoscopia e, na verdade, somente 42% deles de fato fizeram o exame. Dessa maneira, a análise desse grupo foi contaminada, já que 58% de pacientes não realizaram o procedimento endoscópico.

Ao realizar uma subanálise, levando em conta apenas aqueles que de fato passaram pela colonoscopia, percebe-se que o procedimento reduziria o risco de câncer em 31%, e de morte por câncer colorretal em 50%.

Não bastasse a baixa adesão, também é de se pressupor que, dentre esse grupo inicial alocado para a prevenção, aqueles que estivessem mais preocupados com algum sintoma intestinal (portanto, com maior probabilidade de terem um câncer intestinal) estariam mais propensos a aderir à colonoscopia.

Dessa maneira, há um importante viés, já que os 42% que aderiram à colonoscopia têm também presumidamente maior probabilidade de já apresentarem um câncer que os demais participantes.

Outro viés que devemos considerar é que os efeitos da colonoscopia sob a redução do risco de desenvolver câncer levam tempo. Inicialmente, uma campanha de rastreamento por colonoscopia aumenta o número de pacientes com câncer colorretal, pois aqueles indivíduos assintomáticos com formas iniciais da doença são diagnosticados dessa maneira. Para evidenciar o papel da colonoscopia na retirada de lesões pré-malignas, evitando, assim, o aparecimento do tumor, são necessários muitos anos – ou seja, o tempo que levaria para essa lesão progredir para uma neoplasia.

Além disso, a eficácia da colonoscopia é dependente do médico que a executa. Há uma série de parâmetros que podem ser usados para avaliar a qualidade de um examinador, dentre eles a taxa de detecção de adenoma (que é uma lesão precursora do câncer). Os protocolos internacionais, bem como a literatura que os sustentam, indicam que o profissional que realiza o exame deve ter um taxa de no mínimo 25%, sob risco de ter maior probabilidade de o paciente apresentar um câncer no intervalo das colonoscopias (Rex DK et al, 2015). No estudo em questão, no entanto, cerca de 30% dos endoscopistas não chegavam à essa marca mínima.

De tal modo, os resultados levantados pelo recente artigo devem ser analisados com cautela. É de extrema importância ter cuidado ao divulgar os resultados isolados desse estudo em larga escola. Ele contribui enormemente para a construção do conhecimento médico a respeito do papel da colonoscopia, mas não deve ser tomado isolada e superficialmente como razão para não recomendarmos mais a realização da colonoscopia como modo de prevenção e rastreamento do câncer colorretal. Portanto, duas mensagens são muito importantes:

  1. A maior parte dos participantes do estudo em questão não fez a colonoscopia. Ora, o exame não tem benefício se não for realizado.
  2. O rastreamento do câncer colorretal salva vidas e reduz a chance de câncer. Se tiver mais que 45 anos, faça o rastreamento.

Dr. Pedro Averbach, cirurgião colorretal e colonoscopista, membro fundador da ONG Zoé
Dr. Marcelo Averbach, cirurgião colorretal e colonoscopista, membro titular da SBCP e fundador da ONG Zoé
Dr. Pedro Popoutchi, cirurgião colorretal e colonoscopista, membro titular da SBCP e voluntário da ONG Zoé

 Artigo publicado originalmente na revista Veja Saúde

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